O concurso alemão Green Talents apresentou no final de outubro os 25 pesquisadores vencedores na competição deste ano, com projetos reconhecidos pela capacidade inovadora de tornar a sociedade mais sustentável, abrangendo diversas áreas da economia com ideias criativas e capazes de responder as questões atuais mais urgentes sobre proteção ambiental e sustentabilidade. Entre os trabalhos consagrados nessa edição está o do cientista brasileiro Marcelo Menezes Morato, que foca na questão de controle e supervisão de microrredes renováveis baseadas na Indústria da Cana-de-Açúcar no Brasil.

Marcelo impressionou a bancada alemã de especialistas com uma abordagem prática para tornar a integração de fontes de energia renovável possível e menos propensa a erros. Sua pesquisa investigou como a indústria sucroalcooeira poderia constituir uma alternativa viável para o futuro da geração de energia no país, por meio do uso de bio-resíduos como bagaço, palhiço e vinhaça, combinados a sistemas de geração externos como painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas. Esta ideia garantiria aumento da eficiência e da sustentabilidade destes sistemas e poderia servir como planejamento estratégico para o desenvolvimento de diferentes regiões, dada a proporção desse segmento industrial em território nacional.

Formado em Engenharia de Controle e Automação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestre em Engenharia de Automação e Sistemas pela mesma Universidade, Marcelo começou a estudar o tema ainda na graduação, em 2015, como trabalho de iniciação cientifica, apoiado por uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Desde então, o jovem pesquisador de 24 anos tem se esmerado em comprovar o papel que a indústria pode desempenhar na geração de energia no país, explorando o assunto em um Grupo de Pesquisa de Energias Renováveis da UFSC.

“O que temos estudado e o que conseguimos publicar em diversos artigos recentemente, é como essa integração dos sistemas pode ser feita”, afirma, citando o case de sua pesquisa, um sistema fotovoltaico acoplado a uma pequena usina térmica para produzir eletricidade a partir do sol, mas que quando não tiver esse recurso disponível, como em dias chuvosos ou à noite, queima o estoque de biomassa da cana-de-açúcar para produzir energia e assim compensar a intermitência da fonte.

Pesquisa demonstra como estratégia de controles preditivos pode ajudar setor sucroalcooeiro no Brasil a gerar energia limpa e eficiente (foto: arquivo Marcelo Menezes)

“Ao invés de usar baterias, o estoque de biomassa serve para mitigar as flutuações causadas pelas variações do perfil solar. Nossa demonstração é através de cálculos matemáticos, de que isso pode ser realizado e implementado na prática”, pontua Morato, que usou da sua experiência no assunto como ponto de engate para aprofundar esse conhecimento ainda mais em sua recente tese de mestrado, apresentada em junho desse ano, em que demonstra como a engenharia de controle e automação pode ajudar o setor sucroalcooeiro a gerar energia limpa, eficiente e sustentável, usando a estratégia de controles preditivos.

O projeto destacou-se em meio a uma competição de 837 candidatos de mais de 97 países. No total, 19 brasileiros venceram o prêmio desde seu lançamento pelo governo alemão, em 2009. Marcelo disse nunca ter participado anteriormente de algum concurso do tipo e que não esperava ser reconhecido nesse, pois tinha a impressão de que a premiação era mais destinada a área das ciências humanas. “Foi depois que percebi um foco bem aberto para aplicações em sustentabilidade e para a área das engenharias”, relembra.

Intercâmbio na Alemanha e perspectivas

Em sua 10ª edição, o prêmio Green Talents, realizado todos os anos pelo Ministério Federal da Educação e Pesquisa da Alemanha (BMBF), celebra o aniversário de 10 anos do programa sob o tema “Smart Green Planet – Solutions for a Sustainable Future”, oferecendo uma plataforma para que jovens talentos da pesquisa de todo o mundo compartilhem os seus projetos nas áreas da ciência e desenvolvimento sustentável, sendo também uma das etapas a serem vencidas para as disputadas vagas do “Green Talents – International Forum for High Potentials in Sustainable Development”, uma competição de nível mais elevado.

Em outubro, o governo alemão promoveu em Berlim o encontro entre os vencedores do prêmio com a elite de pesquisadores das áreas da ciência e da sustentabilidade no país. O cientista brasileiro conta que participou de diversas visitas guiadas a instituições de ensino, pesquisa e tecnologia, de áreas diferentes, como a Universidade das Nações Unidas em Bonn e a Universidade Tecnológica de Aachen, onde conversou com diretores e responsáveis pelas instituições sobre um pouco do que cada um tem feito e como pode haver uma colaboração conjunta num futuro próximo.

Houve também o contato com professores especialistas nas próprias áreas dos projetos, visto que a premiação contempla mais uma estadia em 2020 na Alemanha, dessa vez por 3 messes, totalmente financiada pelo governo na instituição que escolherem, para assim aperfeiçoarem suas iniciativas com mais perspectivas de colaboração.

Sobre o grupo de 25 selecionados, cuja lista com principais informações pode ser acessada neste link, Marcelo disse ter percebido uma turma com perfis bem diversos e de vários lugares do mundo. Há mais uma pesquisa brasileira, de Luísa Cortat Simonetti Gonçalves Coutinho, que analisa iniciativas legislativas, privadas e corporativas para redução da poluição plástica nos oceanos. Dentro desse arcabouço de diferentes ideias, há também dois trabalhos ligados a questões pontuais e práticas sobre energia, como o estudo do espanhol Ruben Mochilí Montanes, que trouxe à tona a tecnologia Combined Heat and Power (CHP), de como otimizar e aumentar a eficiência energética de unidades de geração, tanto de calor e energia ao mesmo tempo.

“Foi muita interessante a troca de ideias e pontos de vista, inclusive trocamos contato para possíveis futuras colaborações”, conta, complementando que o outro participante era Joey D. Ocone, das Filipinas, que também direcionou sua pesquisa sobre as questões que envolvem os sistemas para produção de energia renovável através microrredes.

Pela primeira vez na competição, Camarões, Líbano, Marrocos e Papua Nova Guiné estão entre os países de origem dos vencedores (foto: arquivo Marcelo Menezes)

Perguntado sobre possíveis parcerias e investidores, o pesquisador disse que já houve uma troca de dados e diálogos com a empresa Raízen Energia, além de algumas companhias da indústria da cana-de-açúcar no Brasil. “Colaboramos em termos de dados, mas as indústrias têm certo receio para implementação prática, apesar de termos também algumas demonstrações num sentido contrário. Quando algo está funcionando é difícil convencer de que uma nova solução pode tornar determinando processo ainda melhor”, afirma em tom de desabafo.

Para ele, o maior empecilho para o desenvolvimento da pesquisa em outras frentes é a etapa que passa pelo Governo Federal, que vem desacreditando em tudo que é feito nas Universidades. “Parece que é a maior dificuldade para divulgarmos o que temos feito na Universidade com credibilidade. Acredito que grande parcela de culpa é desse Governo”, avalia.

Quanto as perspectivas para o futuro, o jovem cientista conta que pretende seguir investigando as possibilidades para a área das energias renováveis, revelando que entrou recentemente para o doutorado em Técnicas Matemáticas para Administração de Sistemas Smart Grids com Energias Renováveis, que será cursado parte em Florianópolis e o restante em Grenoble, na França. “Vou continuar nessa área e com certeza a colaboração de outros participantes desse prêmio me trouxe olhares diferentes, de onde posso explorar ainda mais meu projeto”.