A devolução de contratos de energia existente em razão da saída de clientes especiais para o mercado livre preocupa a Associação Brasileira de Comercializadores de Energia. A entidade já protocolou uma carta na Aneel alertando para os riscos jurídicos e regulatórios que a mudança pode provocar caso afete contratos passados. Atualmente, a regulação permite que esse ajuste contratual seja feito em razão da migração de consumidores livres (acima de 3 MW). A nova proposta prevê que a regra também seja válida aos consumidores especiais, aqueles que têm carga entre 0,5 MW e 3 MW.
 
O tema chegou a ser debatido na audiência pública nº 85 /2013, porém nunca foi votado pelo colegiado da agência reguladora. Com a sobrecontratação involuntária das distribuidoras – causada principalmente pela redução do consumo – o assunto voltou a ter importância nos bastidores do setor, tanto é que a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica pediu à Aneel que editasse o regulamento. De acordo com o presidente da Abradee, Nelson Leite, o pleito é importante, pois ajudará a reduzir o nível de sobrecontratação das distribuidoras que, pelas contas a entidade, estão com sobra de 3 mil MW médios neste ano.
 
Para Reginaldo Medeiros, presidente da Abraceel, a nova interpretação da regra até pode ser implementada, desde que não afete contratos passados. “Dessa forma, caso a diretoria da Aneel decida pela publicação de resolução normativa para ampliar as hipóteses ensejadoras de redução unilateral de CCEAR de energia existente, a Abraceel entende que essa nova regra não pode ser aplicada aos CCEARs já celebrados e que permanecem em vigor”, diz a carta enviada à Aneel. Ainda segundo o documento, caso a Aneel imponha a aplicação da nova norma aos contratos já em curso, deve a agência cuidar de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.  
 
A Abraceel destaca como exemplo os contratos do leilão A-0 realizado em abril de 2014. Esse certame foi realizado para cobrir as exposições involuntárias das distribuidoras, destinado à aquisição de energia no período compreendido entre 1º de maio de 2014 e 31 de dezembro de 2019. Nesse certame, dez agentes venderam um total de 2.046 MW médios ao preço médio de R$ 268,33/MWh. Como o PLD da época da realização do leilão encontrava-se no seu limite superior, R$ 822,83/MWh, essa venda no leilão constituiu operação deficitária no primeiro momento, pois o faturamento dos CCEARs era inferior à receita que poderia ser auferida no mercado de curto prazo com a liquidação de sobras de energia pelos agentes vendedores. Caso a Aneel entenda, por exemplo, que esses contratos são passiveis de serem reduzidos, a equação econômico-financeira do contrato ficaria comprometida.
 
O relator do processo, o diretor da Aneel André Pepitone, confirmou o recebimento da carta em 1º de abril. No momento, o processo aguarda um parecer jurídico da Procuradoria Geral da Aneel. “Chegou na sexta e pedi manifestação do jurídico na segunda, e agora estou aguardando o encaminhamento da PGE”, disse em entrevista à Agência CanalEnergia. Pepitone garante que a Aneel ainda não manifestou entendimento sobre o caso, mas disse que o assunto está na pauta de prioridades da agência.
 
Na opinião do diretor do Grupo Delta, Geraldo Mota, uma mudança de regra alterando CCEARs passados pode criar uma sensação de quebra de contrato. “Acho que a Aneel tem que ter muito cuidado em resolver isso agora”. Ele entende que o esforço é muito grande para um benefício muito pequeno. “Isso não vai solucionar o problema da sobrecontratação das distribuidoras”, opinou Mota. Com a crescente elevação das tarifas reguladas e o preço da energia spot beirando o piso, o setor vive uma nova onda de migrações no mercado livre. Dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica mostram que das 63 adesões que foram concluídas em janeiro deste ano, 54 são de consumidores especiais. Em fevereiro, foram 52 migrações, sendo 45 de clientes especiais.