O Encargo de Serviço do Sistema e a Conta de Desenvolvimento Energético se tornaram a solução do governo toda vez que é preciso acomodar um novo custo setorial. Esse movimento está pressionando os custos com energia de grandes consumidores, o que está deixando a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres apreensiva. Paulo Pedrosa, presidente da entidade, contou que está constantemente em reuniões com o Ministério de Minas e Energia e outros órgãos do setor, no sentido de buscar uma solução para o problema.

“Vale observar que a situação é muito preocupante, porque parte significativa das empresas não têm condições de pagar os valores pedidos”, revelou o executivo, se referindo aos custos de seus associados com a CDE. Pedrosa disse que o governo demonstrou disposição para corrigir o problema. “Em algumas situações, o valor chega a representar 200% do resultado operacional da empresa no ano passado”. Para a Abrace, está esgotada a possibilidade de novos custos serem assumidos pela produção, particularmente pelos consumidores contratados.

Em entrevista à Agência CanalEnergia, o executivo, que estará presente na 12ª edição do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico – Enase, a ser realizado nos dias 27 e 28 de maio, no Rio de Janeiro, falou de outras preocupações, como a impacto das importações internacionais de energia e dos custos associados a contratação de energia produzida por geradores a diesel. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência CanalEnergia – O ESS e a CDE se tornaram a solução para o governo toda vez que é preciso acomodar um novo custo setorial. Como a Abrace vê esses constantes aumentos de encargos para os seus associados?

Paulo Pedrosa – No caso da CDE, entendemos que há espaço para a construção de uma solução: em todas as reuniões realizadas nos últimos meses, o Ministério de Minas e Energia sinalizou compreensão em relação ao problema e suas consequências para o setor produtivo, bem como disposição para corrigir as distorções apresentadas. Essa percepção também tem sido verificada no diálogo mantido com a Agência Nacional de Energia Elétrica e outros ministérios (Desenvolvimento, Planejamento e Fazenda). Vale observar que a situação é muito preocupante porque parte significativa das empresas não têm condições de pagar os valores pedidos. Em algumas situações, o valor chega a representar 200% do resultado operacional da empresa no ano passado. Ainda, existem casos em que o custo com a CDE será equivalente ao custo com a folha de pagamentos. E isto num setor cujo trabalho é qualificado, produtivo e com remuneração acima da média. De qualquer forma, nossa expectativa é que nossos esforços, combinados aos do MME, sejam suficientes para evitar que essa situação tenha de evoluir para o conflito.

Agência CanalEnergia – E no caso do ESS?

Paulo Pedrosa – A situação também é muito preocupante porque a mudança no PLD Máximo implantada no ano passado transferiu custos de agentes descontratados para consumidores contratados. Nesse sentido, vale destacar o esforço da Aneel de corrigir o problema, ao menos em parte, ao tratar da alocação de receitas e despesas associadas às térmicas contratadas por disponibilidade.

Também há grande incerteza em relação aos valores futuros. As portarias 81,105 e 106 do MME, deste ano, permitem a importação de até 2.500 GW médios de energia da Argentina e do Uruguai. Mas qual será o volume importado? E a que preço? Temos muitas dúvidas quanto ao potencial de impacto de tal compra. Finalmente, tem-se falado muito sobre o problema do GSF para os geradores, e considera-se até mesmo a possibilidade de transferência dos custos relativos a isso para encargos como o ESS. Na visão da Abrace, está esgotada a possibilidade de novos custos serem assumidos pela produção, particularmente pelos consumidores contratados.

Agência CanalEnergia – Qual a avaliação da Abrace sobre a portaria MME 44/2015, que busca incentivar a geração por consumidores?

Paulo Pedrosa – Na nossa visão, a portaria é de grande relevância para garantir oferta extra ao abastecimento do Sistema Interligado Nacional, fator importante para a sociedade e a indústria, além de ser um passo para o desenvolvimento do mercado de geração distribuída. Entretanto, estamos apreensivos em relação aos custos gerados por essa contratação, uma vez que podem criar novas distorções ao mercado de energia. Também entendemos que é importante analisar se não existiriam alternativas mais eficientes (e menos custosas), como fomentar também a geração a partir de consumidores conectados na rede básica ou mesmo estimular a redução da demanda a custos inferiores àqueles da solução que está sendo implementada.

Agência CanalEnergia – Atualmente, negociar contratos no mercado livre se tornou uma tarefa mais árdua?

Paulo Pedrosa – A situação continua preocupante, principalmente porque os preços continuam muito elevados. Vale observar que o problema afeta de maneira diferente cada associado, dependendo do mix de contratos. Além disso, é importante registrar que tem havido, infelizmente, uma redução muito significativa no consumo industrial de energia.

Agência CanalEnergia – A constituição de um fundo para financiar projetos no Nordeste foi a solução encontrada pelo MME para evitar a interrupção do suprimento da Chesf aos consumidores eletrointensivos. Para Abrace, a solução é adequada?

Paulo Pedrosa – Esse é um tema que afeta um conjunto de nossos associados e vem sendo acompanhando pela Abrace em função de ser um caso específico de consumidores que têm contratos muito particulares e que, na prática, se entendem como consumidores regulados da Chesf por nunca terem feito a opção pelo mercado livre. Entendemos que o grupo de empresas e o governo têm buscado uma solução que evite impacto para os consumidores e nova possibilidade de judicialização do setor, que não interessa a ninguém. Entendemos ainda que o modelo que está em discussão pode quebrar paradigmas e abrir espaço para viabilizar uma participação dos consumidores livres na expansão do setor elétrico.

Agência CanalEnergia – A indústria eletrointensiva projeta um aumento de custo com a energia na ordem de 40% a 50% este ano. Quais medidas as companhias estão tomando para minimizar esses impactos?

Paulo Pedrosa – As informações de nossos associados indicam que os aumentos são da ordem de 50%, mas que podem chegar a índices estratosféricos, com valores até quatro vezes maiores aos pagos no ano passado. A indústria brasileira está lidando com esse encarecimento da energia com enorme dificuldade. Para driblar os aumentos, há casos de empresas que estão cortando custos de outras áreas para cobrir os valores mais altos da energia. A otimização de processos também é vista como uma saída. Na maioria dos casos, no entanto, tais ações são insuficientes: o custo elevado da energia amplia a vulnerabilidade das empresas frente a competidores (inclusive externos), implica em prejuízos e, em alguns casos, até mesmo inviabiliza a manutenção da atividade. Contribui, dessa forma, para a deterioração das condições macroeconômicas do país de maneira geral, particularmente no que se refere à produção industrial, emprego e crescimento econômico.

Vale observar que o aumento de custos para a indústria brasileira acontece justamente num momento em que seus competidores estão sendo beneficiados pela queda do preço do petróleo e do gás natural (bem como da energia elétrica produzida a partir desses insumos), e do carvão mineral, indiretamente beneficiado pelo barateamento do gás natural produzido a partir do xisto. Além disso, diversos competidores estrangeiros têm sido beneficiados por políticas industriais energéticas (inclusive relacionadas aos preços dos insumos energéticos básicos), bem como por mercados mais eficientes.