O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, decidiu que o povo Waimiri-Atroari teve reconhecido o direito a consulta prévia antes da concessão de licença de instalação para as obras do linhão de Boa Vista, que corta suas terras no Amazonas.
Apesar da maioria dos desembargadores terem votado contra a nulidade do leilão do empreendimento, defendida pelo Ministério Público Federal (MPF), todos reconheceram que os indígenas deverão ser consultados antes da próxima etapa do licenciamento ambiental.
O julgamento na 5ª Turma do TRF1 apreciou dois processos judiciais movidos pelo MPF que apontaram a ausência de consulta prévia, livre e informada dos indígenas em relação ao projeto. Nas duas ações, a Justiça Federal em Manaus deu razão ao MPF, ordenando a anulação do leilão que teve como vencedora a concessionária Transnorte Energia para execução da obra e a anulação também da licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
A 5ª Turma, formada pelos desembargadores Antonio Souza Prudente, Daniele Maranhão e Carlos Pires Brandão, por dois votos a um afirmou a validade tanto do leilão quanto da licença prévia. Mas isso, ao contrário do que chegou a ser divulgado pela imprensa, não autoriza o início das obras. Pelo Código de Processo Civil, como não houve um resultado unânime na apreciação dos processos na 5ª Turma, o julgamento deve continuar, dessa vez com cinco desembargadores, para que o Tribunal aponte uma conclusão sobre os casos e apresente uma decisão sobre o pedido da nulidade do leilão e sobre o momento de realização da consulta.
“A nulidade do leilão não prevaleceu neste momento, mas com o colegiado ampliado vamos demonstrar que a consulta não pode ser feita em momento posterior à decisão pelo empreendimento. De qualquer forma, é consenso no tribunal que a consulta deverá ser realizada e a licença de instalação só poderá ser concedida após a etapa que respeita o direito previsto na convenção 169”, disse o procurador Felício Pontes Jr, que atua nos casos em Brasília.
Na segunda etapa de julgamento, o MPF reafirmará que a consulta terá que ser feita de acordo com o protocolo elaborado pelo povo Waimiri-Atroari ou Kinja, como se autodenominam. Nesse processo, o Ibama alegou ter realizado quatro consultas públicas abertas às comunidades afetadas pela implantação do Linhão, em junho de 2014, em cidades do Amazonas e de Roraima, mas os momentos não se confundem com o direito de consulta prévia, livre e informada.
Os kinja já entregaram seu protocolo de consulta e, em diversas ocasiões na última década, declararam estarem abertos ao diálogo com o governo brasileiro, o que nunca ocorreu na forma da lei. O início das obras, no entendimento do MPF, depende diretamente da consulta com respeito ao protocolo.
Apesar de terem discordado do relator dos processos, Souza Prudente, que considerou nulos o leilão e a licença prévia, os desembargadores Daniele Maranhão e Carlos Brandão afirmaram que a licença de instalação não pode ser concedida antes da consulta. Como o acórdão depende da segunda etapa do julgamento para ser construído, a indefinição sobre o procedimento de consulta permanece e nenhuma obra pode ser feita dentro da terra indígena até lá.
Na última sexta-feira (14/6), documento enviado pela Associação Comunidade Waimiri-Atroari (ACWA) ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, rebate a acusação de serem apontados como principais obstáculos à efetivação da linha de transmissão Manaus – Boa Vista e manifesta preocupação diante da exoneração do então presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), general Franklimberg Ribeiro de Freitas, uma vez que o ex-titular do órgão havia assumido compromisso em respeitar o protocolo de consulta prévia elaborado pelos indígenas em conformidade com a Convenção 169/OIT.
O documento destaca a existência de diversos dados oficiais na Funai que comprovam a disposição dos indígenas em colaborar com as etapas de estudos e levantamentos e abrir espaço para o diálogo com o governo e com os responsáveis pela obra. “A única condição imposta pela comunidade indígena Waimiri-Atroari foi a de que seja respeitado o direito de consulta prévia”, reforça trecho da nota, assinada pelo diretor gerente da ACWA, Mario Parwe Atroari.
Na conclusão do documento, a associação convida Moro e o futuro presidente da Funai – ainda não nomeado – para fazerem visita à terra indígena Waimiri-Atroari, conhecerem de perto a realidade da comunidade e ratificarem o compromisso com o respeito aos diretos assegurados em lei.