As conversas entre o governo e o setor privado dão sinais de que estão avançando. Um fato é a retomada da participação do BNDES no volume de financiamento para projetos de transmissão e a promessa de que o Fundo Garantidor de Infraestrutura deverá, finalmente, ser capitalizado a um ponto que poderá permitir o início da redução de custos em questões fundiárias e ambientais em comparação com o mecanismo que se tem atualmente para empréstimos-ponte no setor de infraestrutura.

Em sua primeira entrevista como presidente executivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, Venílton Tadini, um ex-executivo do mercado financeiro aponta que o valor estimado em R$ 1 bilhão para o fundo é um bom test drive para o setor, mas que o BNDES é imprescindível para o setor que representa. Ao mesmo tempo a entidade defende a melhoria dos projetos a serem licitados no futuro, pois a celeridade que se coloca empreendimentos em leilão pode aumentar o custo desses ativos para os investidores. Segundo o executivo, com maior detalhamento é possível ter maior previsibilidade de custos e assertividade em relação ao retorno dos projetos.

O executivo estará na 13ª edição do Encontro Nacional do Setor Elétrico (Enase), que será realizada em 18 e 19 de maio, no Rio de Janeiro. O evento é uma realização do Grupo CanalEnergia em parceria com 19 associações do setor elétrico. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Tadini à Agência CanalEnergia.

Agência CanalEnergia: As condições de financiamento do BNDES vêm sendo bastante discutidas desde o ano passado, como a Abdib classifica o atual momento?

Venilton Tadini: Houve níveis de redução de participação e recentemente retornaram esse patamar, isso foi importante. Houve uma reunião há pouco tempo com Ministério da Fazenda, do Planejamento e BNDES a respeito das condições, para que melhorasse a participação dos investidores em projetos de infraestrutura. Tanto a parte referente aos projetos de logística como também em linhas de transmissão. Entre as questões colocadas ficou definida a aprovação direta da não necessidade de transitar aprovação prévia de debêntures de infraestrutura em um ministério específico para os projetos licitados que teriam prioridade para emissão de debêntures de infraestrutura. O segundo ponto discutido é que com a atual taxa de juros, seria importante ter no futuro a possibilidade de repactuar as taxas de eventual emissão de debêntures. Também o Conselho Monetário Nacional estabeleceu que isso seria possível para o investidor. Assim, essas condições de fato melhoraram a participação nos investimentos que estão sendo realizados. Haja visto que mesmo com toda a conjuntura conseguimos um nível de participação no mais recente leilão de linhas de transmissão até que razoável, com mais de 50%.

Agência CanalEnergia: Há outras questões a serem aprofundadas ou essa alteração já é suficiente para mudança do cenário de investimentos?

Venilton Tadini: Do ponto de vista normativo e regulatório o que preocupa são pontos de três naturezas: a desapropriação e questões de natureza ambiental porque esses pontos podem atrasar o andamento dos projetos e levar à postergação de prazos de empréstimos-ponte e, consequentemente, dificultar a obtenção dos financiamentos de longo prazo. Para mitigar isso é importante que se dê seguimento o que foi colocado pelo Ministério da Fazenda, que é a capitalização do Fundo Garantidor de Infraestrutura, que deve ficar em cerca de R$ 1 bilhão para mitigar riscos não gerenciáveis, ou seja a desapropriação meio ambiente e outros pontos. O objetivo desse fundo, o FGIE, não é de financiar projetos, é simplesmente dar condições de, com esses recursos, estruturar as garantias a riscos não gerenciáveis, como acontece em outros países, em que o segmento de seguro privado não atua ou atua de forma muito restrita e dar suporte em investimentos na área de infraestrutura e energia.

Agência CanalEnergia: O volume estimado para o fundo é de R$ 1 bilhão, esse volume seria suficiente?

Venilton Tadini: É um bom test drive para verificar os procedimentos que realmente são necessários, tempo de análise e depois alavancar no futuro. É um bom início dado que a ABGF (associação que será a administradora do FGIE) foi constituída desde 2012 e até o momento não foi capitalizada e o Ministério da Fazenda disse que agora irá integralizar esses recursos. Essas são questões burocráticas e técnicas que tem que ser resolvidas, pois dependendo do tempo que demoram podem afetar o retorno dos projetos e esse fundo foi criado para que cubra esses riscos não gerenciáveis. À medida que demora mais afeta a captação do recurso de longo prazo que é via BNDES e acaba impactando o investidor porque este precisa de recursos de curto prazo para a formação dessas garantias que são mais caras, principalmente se for obtida por meio bancas privadas, e com a atual taxa de juros no mercado, hoje está em algo próximo a 18%. Não há projeto de infraestrutura que remunere isso. Então, é importantíssimo que esse empréstimo-ponte deva durar o menor tempo possível.

Agência CanalEnergia: Há ainda um terceiro ponto…

Venílton Tadini: O terceiro ponto que ainda não mencionei é a permissão de que os recursos de emissão de debêntures de infraestrutura cubram os recursos de outorga. Diria que esse conjunto de medidas, ou seja, a automaticidade de considerar prioritária a emissão de debêntures de infraestrutura nos projetos licitados, e dentro do programa cobrir a despesa de outorga, poder fazer a liquidação antecipada das debêntures em função da atual taxa de juros e permitir a repactuação quando a taxa cair e, consequentemente, reduzir custos dos investidores, são medidas importantes que se somam ao FGIE e o nível de participação do BNDES.

Agência CanalEnergia: Devido ao grande volume de projetos ainda por vir no setor elétrico e a ampliação do volume de investimentos no mercado livre, as debêntures de infraestrutura podem a avançar e se tornar uma alternativa ao BNDES?

Venílton Tadini: Não tem como, apesar de ser incentivada não tem mesmo custo do BNDES, mas obviamente somente o BNDES não será suficientes para a demanda total de todos os projetos. Na composição do funding com 70% do BNDES com TJLP na parte de dívida se complementa via debêntures de infraestrutura que não tem um custo tão alto quanto de captação de curto prazo, essa composição dá elementos para garantir o retorno do empreendimento no longo prazo. Acho que as debêntures serão sempre complementares, pode em algum caso em maior ou menor grau em um projeto, mas obviamente não pode prescindir do BNDES. Dado que hoje para a captação externa temos o risco cambial, que é custoso. O ideal seria que se pudesse emitir um título em moeda estrangeira porque a taxa de juros é baixa, agora, quem cobre o risco cambial? Se o patamar fosse adequado, cada um calcula o risco e faz a captação, mas o problema do câmbio é a flutuação porque a taxa é quase negativa lá fora.

E dada a relação de câmbio é mais fácil vermos investimento direto, como tem ocorrido com chineses do que a captação por empréstimos, então o que sobra é BNDES, debêntures e banca privada que com esse nível taxa de juros eleva o custo a captação. Para o investimento de longo prazo o retorno é muito menor e não se pode onerar o investidor com taxa de juros desse tamanho antes do projeto gerar receita.

Agência CanalEnergia: Outro ponto que a Abdib defende é a melhoria da qualidade dos projetos e minutas de editais. Como deveria ser feito esse aprimoramento?

Venílton Tadini: Quando um projeto fosse colocado em licitação deveria estar em nível de desenvolvimento e detalhamento que permitisse poucas modificações de custos e de preços finais do empreendimento. Senão começa com custo X e no detalhamento desse projeto aumenta em 50% o valor original, nem o investidor e nem as financiadoras dispostas a financiar estarão tranquilas com o retorno. Por isso é importante termos estudos de viabilidade, um projeto conceitual básico e até mesmo o projeto executivo já definido para o momento da licitação, por causar menos incerteza em relação ao valor do investimento futuro. Quando você faz as coisas de maneira que não está madura não se perde tempo no inicio, mas esse atraso ocorre depois, o que pode tornar o projeto mais caro do ponto de vista do investidor porque este teve que carregar um custo de funding mais elevado e por mais tempo porque não conseguiu o financiamento de longo prazo.

Em um primeiro momento a metodologia atual pode ser mais rápida na forma que licita, tem aparente velocidade, mas no final ele demora tanto ou mais e também se tornou muito mais caro e afetou a eficiência do retorno do empreendimento. É melhor esperar mais na saída e fazer em um projeto mais maduro do que ter aditivo em cima de aditivo o que é péssimo para o ente publico, investidor e financiador. Dessa forma, reduz a incerteza e torna a previsibilidade do valor mais adequada e melhora o retorno. Toda a equação financeira atrasa por questões de projeto que não esteja maduro e isso afeta o retorno. Repor isso na tarifa é um problema e para recompor a equação do projeto pode trazer sérias complicações inclusive na viabilidade para a obtenção do financiamento o que onera o investimento e a eficiência do projeto.

Agência CanalEnergia: O segmento de transmissão é apontado como um dos principais gargalos que temos para a expansão do setor. Tivemos a revisão das condições e um leilão em meados de abril, mas ainda assim com lotes vazios, qual a sua avaliação do resultado do mais recente leilão?

Venílton Tadini: Veja que o grande vencedor do leilão foi a State Grid e poderia logicamente ter outros agentes interessados com aumento do apetite nesses leilões com participação maior. Mas dada a conjuntura com pouco de mais 50% do licitado então vamos dizer que foi surpreendente esse resultado dado o ambiente de incerteza. Se verificar as condições tratadas do ponto de vista do agente de governo, de mudança de taxa de desconto e outras condições que eu disse, melhoraram e houve esforço do planejamento, Fazenda e BNDES, mas ainda tem taxa de juros de curto prazo enorme e as incertezas e câmbio enormes o que dificulta a previsibilidade de retorno de longo prazo e tão logo tenhamos o ambiente mais saudável do ponto de vista dos negócios, teremos condições mais adequadas para a atração dos investidor nesse setor.