Não existe solução única para a retomada do equilíbrio econômico-financeiro do setor elétrico, mas sim a combinação de um conjunto de ações coordenadas no curto, médio e longo prazos. A avaliação é do presidente da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia, Mário Menel, que vê 2015 como um ano de ajustes necessários para que ocorra a recuperação gradual da economia. “O modelo de crescimento está cada vez mais dependente dos investimentos privados em infraestrutura e, nesse sentido, a autoprodução pode ocupar lugar de destaque”, afirma Menel.

O presidente da Abiape diz que é preciso remover obstáculos para que o setor se desenvolva de forma mais equilibrada. Aponta questões imediatas, como os prejuízos causados pela geração abaixo da garantia física das usinas, o Encargo de Serviços do Sistema, a capacidade de pagamento dos consumidores, o vencimento das concessões e as indenizações a serem pagas. Cita ainda como desafios a redução do atraso de obras, o casamento dos cronogramas de entrada em operação de empreendimentos, maior aderência entre a matriz planejada e a realizada, estabilidade regulatória, incentivo à eficiência, isonomia entre os mercados livre e regulado e ampliação do diálogo.

Mário Menel vai tratar desses temas durante painel na 12ª edição do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico – Enase, que acontece nos dias 27 e 28 de maio, no hotel Sofitel, no Rio de Janeiro, em uma parceria do Grupo CanalEnergia com 18 associações do setor. Confira a íntegra da entrevista:

Agência CanalEnergia: Qual é o grande desafio do país para a retomada do equilíbrio econômico-financeiro do setor elétrico?

Mário Menel: O país passa por transformações que acontecem muito rapidamente. Como consequência, o setor necessita de um planejamento estratégico e mesmo de uma administração estratégica que assegure, em visões de curto, médio e longo prazos, os princípios de garantia de suprimento, modicidade de preços e de tarifas e de sustentabilidade dos negócios de cada um de seus segmentos. As medidas de curto prazo – estão sendo tomadas pelo MME [Ministério de Minas e Energia] – vêm ao encontro desses princípios. Falta a sequência de medidas de médio e de longo prazos para que se tenha uma melhor noção da consistência do planejamento nesta nova etapa do governo.
 
Como desafios para a retomada posso citar, embora sem esgotamento do assunto, que o mercado precisa se desenvolver com mais equilíbrio e para isso alguns obstáculos precisam ser superados. Há que se reduzir o atraso de obras, concatenar a entrada em operação dos empreendimentos, buscar maior aderência entre a matriz planejada e a realizada, garantir a estabilidade regulatória, incentivar a eficiência, estabelecer isonomia entre os mercados livre e regulado, fomentar ainda mais o diálogo, etc. 

Questões imediatas como o GSF, o ESS, a capacidade de pagamento dos consumidores, as concessões vincendas e as indenizações, por exemplo, merecem especial atenção, principalmente, para que a judicialização seja evitada. Não existe solução única, a retomada do equilíbrio econômico-financeiro depende de um conjunto de ações que devem ser adotadas de maneira coordenada no setor.

Agência CanalEnergia: De que forma o custo da crise hídrica e financeira afeta novos investimentos em expansão no país?

Mário Menel: Em linhas gerais, a crise retira capacidade de pagamento dos agentes, eleva a percepção de risco do mercado e reduz a competitividade do setor. No segmento de geração, por exemplo, a crise tem afetado o balanço das empresas, dificultando a obtenção de recursos e reduzindo o apetite de alguns por novos investimentos. Os consumidores, por sua vez, estão sobrecarregados pelos elevados custos do despacho, o que contribui para reduzir a demanda e, consequentemente, a necessidade de expansão no setor. Além disso, o aumento dos preços e das tarifas tem outro efeito perverso, o crescimento de furtos e da inadimplência, o que acaba impactando diretamente nos investimentos das distribuidoras.

A crise também reduz a liquidez do mercado, prejudicando comercializadores e a expansão do mercado livre. Por fim, a crise financeira e a dificuldade de avaliação dos ativos sujeitos à indenização fizeram com que algumas transmissoras reduzissem seus aportes no país. Outro efeito da situação financeira do país é a divulgação de novas regras de financiamento pelo BNDES que diminuem a percentual de aporte do Banco. Dessa forma, os efeitos são negativos para os novos investimentos e para a competitividade do país.

Agência CanalEnergia: Quais são expectativas dos autoprodutores para 2015, em razão da desaceleração econômica?

Mário Menel: 2015 é um ano de ajuste, fundamental para a retomada do crescimento. Esperamos uma recuperação gradual da economia e, por isso, estamos trabalhando para fomentar um ambiente de negócios mais propício ao investimento. O modelo de crescimento está cada vez mais dependente dos investimentos privados em infraestrutura e, nesse sentido, a autoprodução pode ocupar lugar de destaque.
 
Agência CanalEnergia: Quais são os grandes problemas econômicos, legais ou regulatórios a serem superados para colocar o setor novamente nos trilhos?

Mário Menel: Sob o ponto de vista da autoprodução, é preciso aprimorar o licenciamento ambiental, fortalecendo a articulação entre os órgãos intervenientes, dando celeridade na implementação dos projetos. Na questão do financiamento, há que se garantir isonomia de acesso às alternativas existentes, principalmente no que se refere ao mercado de ações e às debêntures incentivadas, dois importantes mecanismos privados de captação de recursos de longo prazo. Também é necessário considerar a complexa estrutura empresarial dos investidores, garantindo a correta alocação da geração própria. Outro ponto central é o estimulo que deve ser feito à eficiência energética e à geração de base, com destaque para a cogeração. Finalmente, é fundamental que sejam reconhecidos os esforços dos investidores na tentativa de expandir o parque gerador, e aqui faço referência específica as concessões de geração que estão travadas por problemas no licenciamento e que podem contribuir para agregar energia barata e renovável a matriz.

Agência CanalEnergia: Dados os níveis atuais dos reservatórios, o que esperar para os próximos meses em termos de abastecimento?

Mário Menel: A redução da demanda e as medidas que estão sendo adotadas do lado da oferta devem garantir o abastecimento nos próximos meses. O foco de maior atenção é com o atendimento da ponta no próximo verão, mas o Governo já está adotando medidas no sentido de combater a questão. Exemplo é o leilão de reserva agendado para o próximo dia 15 de junho.