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Dando prosseguimento as entrevistas com os representantes da área de energia dos presidenciáveis, a Agência CanalEnergia conversou com biólogo e ambientalista João Paulo R. Capobianco, presidente do Conselho Diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). A Agência CanalEnergia convidou para uma série de entrevistas as principais candidaturas, que serão publicadas na sequência de atendimento da demanda.

As propostas da candidata à presidente da República Marina Silva (REDE) se mostram em linha com os encaminhamentos da Consulta Pública 33, cujo texto propõe uma modernização dos marcos comercial e regulatório do setor elétrico.

O representante também defendeu a privatização da Eletrobras nos moldes propostos pela atual gestão da companhia, bem como reconhece a necessidade de uma reavaliação dos procedimentos de licenciamento ambiental no país. Leia a seguir a íntegra da entrevista:

Agência CanalEnergia: Em um futuro governo da candidata Marina Silva, qual seria o critério para escolha do ministro de Minas e Energia?

João Paulo R. Capobianco: A composição do nosso governo será toda feita com base em critérios de competência e idoneidade, com descrição de cargos e funções e publicação do currículo de todos os contratados. Isso não será diferente para a escolha de ministros, que é uma prerrogativa da presidente, mas deve levar em conta, acima de tudo, a competência e idoneidade.

No caso específico de Minas e Energia, além de competência na área, é fundamental o conhecimento dos temas relacionados às mudanças climáticas globais, pela óbvia conexão do setor energético a essa questão. Em nosso governo o desmatamento deixará de ser a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa. Entretanto, as emissões pelo uso da energia são as que mais crescem no Brasil, demandando metas acordadas e, principalmente, melhoria da eficiência energética em todas as etapas, desde a geração, transmissão e distribuição até os consumidores finais, principalmente os intensivos em energia.

Agência CanalEnergia: Quais as propostas para reduzir as tarifas de energia do país?

João Paulo R. Capobianco: O custo das novas fontes renováveis, incluídas as baterias, tem caído em todo mundo. Não são, portanto, elas as responsáveis por aumento das tarifas de energia. Ao contrário, permitirão reduzir os custos à medida que tiverem maior presença na matriz de geração, como é nossa proposta.

As tarifas atuais de energia elétrica têm subido por várias razões. Na sua maior parte por causa do governo federal, Executivo e Congresso.

Primeiro, uma parcela de aumentos está contratada por erros no governo Dilma, como as decorrentes da MP579. Infelizmente essa parcela vai continuar pesando pela próxima década. É uma herança que não podemos esquecer, porque é um exemplo do que nunca deve ser feito pelo governo: segurar tarifas para distribuir bondades ilusórias. Lembremos que o corte artificial de 20% nas tarifas em 2013 provocou aumentos nos anos seguintes, chegando a 50% de acréscimo até 2015. E essa conta continua subindo.

Além disso, os famosos “jabutis” colocados pelos congressistas nos projetos de lei e de conversão de medidas provisórias, acabam pesando no bolso dos consumidores.

A última é a queima de R$2 bilhões, até o final desse ano, em óleo diesel no Estado de Roraima, a pretexto de instabilidade na linha que liga a capital Boa Vista à Venezuela. É certo que ocorrem apagões em Boa Vista, mas nenhum estudo com base em dados reais foi apresentado para justificar essa conta para os consumidores. A criação de encargos sem análise de impacto regulatório é outro exemplo do que deve ser combatido. Embora essa análise seja parte das boas práticas que regem a administração pública, tem sido sistematicamente ignorada.

Outra fonte de aumentos são os encargos setoriais, que têm de ser revistos através da ANEEL. Como exemplos, damos subsídios para combustíveis fósseis, que já não fazem sentido. Os auxílios para baixa renda podem ser incorporados aos programas sociais, onde de fato pertencem.

Finalmente os impostos – notadamente ICMS – que estão no centro da reforma fiscal que propomos. A referência para essa reforma é a proposta do Centro de Cidadania Fiscal. Nela, destaca-se a implantação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços),  que substituirá progressivamente cinco tributos: PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.

​Para além dessas medidas, a reforma do setor elétrico é urgente para modernizar sua estrutura. Felizmente, o texto resultante da CP33 foi adotado pela Câmara dos Deputados, através de Comissão Especial. No texto em discussão, nos interessam particularmente as separações entre lastro e energia, bem como do fio e energia. São medidas inadiáveis para que o setor elétrico brasileiro dê conta dos desafios que se apresentam para as próximas décadas. Entre esses desafios destacam-se a internalização dos impactos socioambientais, junto com os atributos próprios de cada fonte em flexibilidade, inércia etc. A separação entre fio e energia, por sua vez, é essencial para o avanço da geração distribuída, da eficiência, da conectividade e da automação. Essa reforma vai muito além das eleições presidenciais e, no nosso entender, merece atuação continuada.

São medidas inadiáveis para que o setor elétrico brasileiro dê conta dos desafios que se apresentam para as próximas décadas. João Paulo R. Capobianco, sobre a CP 33

Agência CanalEnergia: A privatização da Eletrobras seria uma prioridade do candidato?

João Paulo R. Capobianco: A privatização da Eletrobras é analisada no contexto da política energética nacional, que deverá modernizar suas estratégias a fim de incorporar as energias renováveis (v. Reforma do Setor Elétrico), mas suas distribuidoras certamente deverão passar para a iniciativa privada.

Vale destacar que o objetivo não é fazer caixa para o Tesouro Nacional, como ocorre nesse final de governo. O nosso objetivo fundamental é retirar a empresa da influência política. Para isso é preciso diluir a participação da União, restringindo o papel do Estado brasileiro ao exercício do “golden share”. Isso precisa ser feito profissional e responsavelmente, porque aos preços atuais das ações da empresa no mercado, privatizar significaria queimar seu valor.

Nesse caminho, será preciso eliminar a cotização e trabalhar para que o valor da empresa volte aos seus fundamentos de mercado. Isso é importante para todos porque ela responde por quase metade das linhas de transmissão e um terço da capacidade instalada de geração no país. Privatizá-la sem realizar essas correções significaria não só perda para o Tesouro Nacional, mas para toda economia.

Na nossa visão, a Eletrobras continuará importante para a interligação do SIN aos grids elétricos na América do Sul, junto com a concretização de aproveitamentos binacionais. Idealmente, convergiremos nos próximos anos para uma integração de mercados, eliminando o sistema de escambos vigente. Para isso, a Itaipu Binacional, por exemplo, tem lições importantes – principalmente do que evitar – para serem absorvidos pelo setor elétrico.

Agência CanalEnergia: As intervenções políticas no setor provocaram uma onda de judicialização sem precedentes no setor. Como o candidato pretende lidar com essa situação?

João Paulo R. Capobianco:  O maior problema está na crise do GSF. Nele, a principal questão é arbitrar quanto dos montantes judicializados resultam da desastrada intervenção do governo Dilma. O restante é risco hidrológico, que ainda pesa sobre a parte das hidroelétricas ​cotizadas. A solução proposta por associações, de troca do valor arbitrado por extensão do período das concessões é a de menor impacto para os consumidores. O mesmo raciocínio vale para os contratos de linhas de transmissão, com investimentos não amortizados até a quebra do contrato.

Agência CanalEnergia: Quais as propostas do candidato para dar eficiência aos processos de licenciamento ambiental?

João Paulo R. Capobianco:  Reconhecemos que é necessário conferir maior eficiência e eficácia ao licenciamento ambiental, a fim de oferecer condições para um maior dinamismo da economia e a construção de um modelo de desenvolvimento mais próspero, justo e sustentável, gerador de emprego e renda.

O licenciamento ambiental foi colocado no centro de disputas entre as áreas energética e socioambiental do país, por ação dos vários lados em disputa. Será preciso dar um passo atrás no que cabe ao Executivo. O licenciamento é um rito, não a substância da proteção que o meio ambiente e a sociedade tem asseguradas constitucionalmente.

É preciso ter em mente que o rito criado em 1981 e praticado a partir de 1986 necessita aprimoramentos, especialmente no tocante aos empreendimentos energéticos. Como exemplo, os estudos de impacto ambiental (EIAs) repetem-se sem nenhuma compilação, sistematização ou consolidação de conhecimentos. Isso, para um instrumento de aplicação territorial, gera poucos insumos para a adequada avaliação dos impactos e proposição de compensações e políticas públicas na área socioambiental.

São várias as propostas que terão de ser implementadas para dar eficiência e eficácia ao processo. Uma delas é fazer valer os zoneamentos socioambientais que, em grande parte, já estão iniciados e, no conjunto, são parte do quadro legal brasileiro. Uma vez aprovados, pode-se simplificar a aprovação de empreendimentos pré-qualificados a cada ecossistema, uma vez que estudos prévios e abrangentes já definiram quais restrições existem para atividades antrópicas, no tocante a emissões atmosféricas, lançamento de efluentes, captação e uso de água, ocupação e uso do solo etc.

O zoneamento pressupõe publicidade, transparência, participação e diálogo. O seu fundamento é a ciência, acima de valores que não estejam inscritos na Constituição. No tocante às populações indígenas e tradicionais, a aplicação da Resolução OIT 169 – que estabelece consulta prévia e informada a comunidades potencialmente atingidas – será exigida sem exceção.

A revisão do marco regulatório do licenciamento ambiental que defendemos terá como objetivos estimular a atividade econômica de forma compatível com a conservação de nossas diversidades e riquezas socioambientais. Deve, ainda, ser coerente com os compromissos que o Brasil assumiu nas negociações internacionais sobre biodiversidade e mudanças climáticas.

Nossa proposta para o aprimoramento da legislação de licenciamento ambiental será baseada nos seguintes valores: transparência, eficiência e sustentabilidade. Somente esses valores poderão garantir segurança jurídica e previsibilidade para os agentes econômicos e a preservação do meio ambiente.

Defendemos os seguintes princípios e diretrizes:

a) os critérios gerais devem ser estabelecidos pela legislação federal, padronizando os processos e diminuindo a insegurança jurídica decorrente da excessiva discricionariedade do agente público e entre os entes federativos, evitando a “competição não virtuosa” que estimula Estados e municípios a fragilizarem seus critérios para atraírem empresas;

b) o diálogo entre o meio ambiente e “a engenharia (inclusive financeira)” deve ser modernizado para que o paradigma atual do conflito seja mudado para o paradigma da colaboração. O mundo moderno já pratica a sobreposição dos desafios da engenharia e do meio ambiente nos projetos e, a partir daí, a colaboração entre esses dois elementos se faz mais presente e o resultado é a eficiência da “engenharia” com preservação do meio ambiente.

c) o rito do licenciamento e as respectivas exigências devem considerar o efetivo potencial de impacto e na fragilidade ou importância socioambiental do local do empreendimento;

d) as atividades e empreendimentos que impliquem em supressão de vegetação nativa devem necessariamente passar pelo processo de licenciamento ambiental;

e) devem ser definidos prazos para todas as etapas do licenciamento, de forma a assegurar previsibilidade aos solicitantes da(s) licença(s) e melhor capacidade de acompanhamento por parte dos investidores e da sociedade;

f) devem ser garantidos os investimentos em capacitação técnica, recursos humanos e infraestrutura nos órgãos ambientais responsáveis pelas atividades de licenciamento, como condição básica para que os prazos sejam cumpridos; e,

g) devem ser estabelecidos critérios mínimos de capacidade institucional a serem comprovadas pelos municípios interessados em assumir os processos de licenciamento ambiental.

Agência CanalEnergia: Quais as propostas para recuperar o Rio São Francisco?

João Paulo R. Capobianco: A recuperação do Rio São Francisco não é um problema ambiental. É um problema de desenvolvimento regional. Ao lado de atividades como reflorestamento, desassoreamento etc, é preciso dar espaço para atividades econômicas comprometidas com a existência do rio. Como contraexemplo, a experiência internacional mostra que a irrigação com desperdício (pivô central, por exemplo) e em larga escala, pode esgotar os recursos hídricos.

Os cenários climáticos produzidos no âmbito do IPCC (International Panel on Climate Change) são todos coincidentes em mostrar que, até o final do século, a região do semiárido deverá ter reduzida ainda mais sua precipitação e disponibilidade hídrica. Isso significará uma enorme pressão sobre o Rio São Francisco. Garantir a afluência de tributários terá enorme importância.

Mas no nosso entender, o principal ator para essas ações não é o governo federal, que deve articular o fórum das sete unidades da federação diretamente envolvidas. Caberá a esses Estados (Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe) definir a política de desenvolvimento regional com vistas à recuperação e continuidade do Rio São Francisco. Os recursos públicos necessários a essa recuperação serão objeto de negociação no Orçamento Geral da União na respectiva Lei de Diretrizes Orçamentárias. Adianta-se que, em princípio, na nossa visão não cabem encargos ao sistema elétrico nessa direção.